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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Ressurreição de animais extintos parece ser possível !

Quando uma espécie é extinta, acabou. Fim. Mas talvez seja possível trazer de volta animais que desapareceram da face da Terra há dezenas, centenas ou milhares de anos. Conheça os projetos que estão tentando - e conseguindo - fazer isso


O cenário é uma planície gelada no hemisfério norte. O vento sopra sobre a vegetação rasteira, enquanto a terra estremece sob os passos de uma peluda fera de 4 metros de altura. Sua enorme tromba é ladeada por presas de marfim de mais de 5 metros de comprimento. Atrás da mãe, vem o filhote - um bebê mamute de apenas 1 metro de altura. Por um momento, a mamãe mamute se distrai, arrancando um arbusto com a tromba e o levando até a boca. Nesse instante, um feroz esmilodonte (ou tigre-dente-de-sabre) salta detrás de um rochedo sobre o filhote indefeso. Ouvindo o grito da cria, o mamute larga a refeição e avança contra o predador, com as presas erguidas para golpear o inimigo. A cena épica é observada por um casal de humanos, escondidos em um bosque. Mas não se trata de neandertais vestidos de peles e armados de clavas. É um casal de turistas usando roupas do século 21 - e com celulares em riste para filmar o duelo. Mais tarde, naquele mesmo dia, a briga entre o mamute e o tigre gigante receberá centenas de curtidas no Facebook.

Essa cena pode parecer saída de um livro de ficção científica - como Jurassic Park, de Michael Crichton, que especula sobre o que aconteceria se os dinossauros fossem trazidos de volta à vida. Os tigres-dente-de-sabre desapareceram há cerca de mil anos; os últimos mamutes morreram entre 10 mil e 3 mil anos atrás - e o homem é um dos possíveis responsáveis pelo seu fim. Quando o romance de Crichton foi publicado, em 1990 - e levado ao cinema por Steven Spielberg três anos depois -, a ideia de ressuscitar espécies como essas era, de fato, pura fantasia. Afinal de contas, a extinção sempre foi considerada uma via de mão única: uma espécie extinta seria como uma pessoa morta e enterrada, e nada poderia trazê-la de volta. Mas nos últimos anos, com os avanços da biotecnologia, isso mudou: a desextinção - ou seja, a ressurreição de uma espécie inteira de animais, plantas ou até mesmo de neandertais - passou de livros e filmes para pesquisas científicas sérias. Em várias partes do mundo, há cientistas tentando trazer de volta animais extintos - e obtendo resultados animadores.

Basicamente, existem duas maneiras de ressuscitar uma espécie que não existe mais. A primeira se chama transferência nuclear. É o seguinte. Os cientistas extraem DNA de fósseis do bicho extinto, e implantam no óvulo de uma espécie parecida. Isso gera um animal híbrido, que tem algumas características da espécie extinta. Os híbridos vão sendo cruzados até que, depois de algumas gerações (não se sabe ao certo quantas), você gera animais idênticos aos que haviam sido extintos. Foi isso o que aconteceu com o bucardo, uma espécie de cabra montanhesa que habitava os Pirineus, na divisa da França com a Espanha. Perseguida durante séculos por caçadores em ambos os lados da fronteira, a espécie foi diminuindo - no final dos anos 80, restava apenas uma dúzia de bucardos no mundo. Em 1989, graças a uma iniciativa do governo espanhol, cientistas passaram a monitorar e estudar os últimos sobreviventes. Mas já era tarde demais. Em 2000, o último dos bucardos (uma fêmea, a quem os cientistas haviam apelidado de Celia) foi esmagado pela queda de uma árvore, e a espécie se tornou oficialmente extinta.

Um ano antes da morte de Celia, no entanto, pedaços de sua pele haviam sido coletados - e as células do bucardo continuavam vivas, em laboratórios de Saragoça e Madri. Quando Celia morreu, um grupo de cientistas liderados pelo espanhol José Folch iniciou um projeto que ninguém antes tentara: clonar um indivíduo de uma espécie extinta. Em um processo de clonagem convencional, o material genético é colocado dentro de um óvulo - e o óvulo, após algum tempo no laboratório, vai para o útero de uma fêmea, onde dá origem a um embrião. "E é aqui que está a grande dificuldade em clonar um indivíduo de uma espécie extinta", explica Lawrence Smith - cientista brasileiro, filho de pais ingleses, cujas pesquisas ajudaram na clonagem da ovelha Dolly em 1997. "Mesmo que você tenha o DNA do animal, você não tem uma fêmea viva daquela espécie para fazer a gestação."

Os espanhois resolveram implantar o embrião numa cabra, cujo óvulo teve o DNA removido. Eles tentaram fazer isso muitas vezes. Foram 439 tentativas, que geraram 57 embriões. Todos foram implantados, mas apenas sete cabras engravidaram - e a maioria abortou. Em 30 de junho de 2003, no entanto, uma das cabras deu à luz um clone vivo de Celia. Um dos cientistas segurou nos braços o filhotinho. E, por um breve tempo, a espécie dos bucardos voltou a existir. Mas a primeira desextinção na história da ciência durou apenas dez minutos. A nova Celia nascera com um tumor maciço em um dos pulmões e morreu por falta de ar. Na prática, a espécie havia sido extinta pela segunda vez.

Quebra-cabeça genético

Apesar do fim prematuro do clone, a experiência abriu caminho para outras. Hoje, há diversos projetos de desextinção sendo desenvolvidos. E pode ser apenas uma questão de tempo até que algum deles se mostre 100% bem-sucedido. Além das tentativas de resgatar espécies que já desapareceram, cientistas também estão coletando o DNA de animais em risco de extinção - para ter alguma chance de trazê-los de volta, caso desapareçam. Atualmente, projetos desse tipo estão sendo conduzidos no zoológico de San Diego, nos Estados Unidos, e também no zoológico de Brasília, em parceria com a Embrapa (leia mais na página 42).

Há pouco tempo, um grupo de cientistas chegou muito perto de ressuscitar o Rheobatrachus silus, ou "sapo de reprodução gástrica" - um esquisitíssimo anfíbio australiano extinto em 1987. O nome popular da espécie se deve aos seus inusitados hábitos reprodutivos: a fêmea liberava um punhado de óvulos, que então eram fertilizados pelo macho. Em seguida, a fêmea engolia os próprios óvulos e gestava os embriões no estômago. Algumas semanas depois, a sapa vomitava os sapinhos inteiros - como se fossem uma porção de comida estragada. Para trazer a bizarra espécie de volta, cientistas australianos liderados pelo pesquisador Mike Archer, da Universidade de New South Wales, introduziram o material genético em óvulos de uma outra espécie de batráquios.

A experiência se arrastou por cinco anos - isso porque as fêmeas dos sapos ovulam apenas uma vez a cada 12 meses. Em março de 2013, algumas centenas de óvulos começaram a se desenvolver, dando origem a embriões de Rheobatrachus. Mas eles sobreviveram apenas alguns dias. "Mesmo a clonagem convencional - usando DNA, óvulos e úteros de uma mesma espécie - ainda é uma técnica ineficiente e lenta, com uma taxa de sucesso que em geral fica apenas em 1%", explica Lawrence Smith. "Quando se tenta clonar entre duas espécies distintas, ainda que aparentadas, as dificuldades se multiplicam, pois jamais se sabe como a informação genética de uma espécie vai se adaptar ao óvulo e à gestação de outra."

Exatamente por isso, alguns cientistas estão buscando a desextinção por outras vias que não a clonagem. É o caso de George Church, da Universidade Harvard. Desde 2011, ele tenta desextinguir o pombo viajante, uma espécie que era extremamente comum nos EUA até o século 19. Relatos da época descrevem as revoadas de pombos viajantes enegrecendo os céus em regiões do leste do país - os pássaros eram tantos que seu peso quebrava os galhos das árvores em que pousavam. Mas muito chumbo foi disparado por caçadores americanos de lá para cá - e o pombo viajante está extinto desde 1913.

Mas, por sorte, há centenas de pombos dessa espécie empalhados em diversos museus dos Estados Unidos. Com pedaços de pele retirados da pata de um deles, Church conseguiu recuperar fragmentos do DNA do pombo - embora ainda não o genoma inteiro. A ideia não é clonar a ave desaparecida, mas introduzir pedaços de seu código genético nas células-tronco de um pombo comum. O pombo resultante seria um híbrido, que iria passando por cruzamentos até recuperar todas as características da espécie (entenda melhor lendo o box da página 41). Caso funcione, essa mesma técnica poderia ser utilizada para ressuscitar espécies desaparecidas há muito tempo, como o mamute, o tigre-dente-de-sabre ou o auroque - um bovino selvagem, ancestral do gado moderno, desaparecido da Terra no século 17.

Cacarejo jurássico

Animais como o pombo, o boi e a cabra apresentam algumas características que facilmente remetem ao pombo viajante, ao auroque e ao bucardo - seus ancestrais distantes e já extintos. Até aí, nada de anormal. Mas você sabia que dentro de um simples frango existem resquícios de dinossauro? E há quem acredite que isso seja a chave para trazê-los de volta à Terra. "Nós estamos estudando como criar um dinossauro a partir de uma galinha", diz Jack Horner, paleontólogo da Universidade de Montana e autor do livro How to Build a Dinosaur ("Como criar um dinossauro", ainda inédito no Brasil). A ideia é acionar determinados genes - que as galinhas já possuem, mas que estão inativos.

A técnica se chama engenharia genética reversa. Até os sete dias de gestação, toda galinha tem uma espécie de mão com três dedos, exatamente como os crocodilos e dinossauros. A partir da segunda semana, acontece uma fusão e os dedos se unem para formar a ponta das asas. Com a manipulação genética, seria possível brecar esse processo - fazendo com que a galinha tivesse mãos e dedos em vez de asas. Os cientistas da Universidade de Montana estão tentando usar esse processo para desenvolver cauda em uma galinha. O Frankenstein jurássico ainda não existe, mas já ganhou o apelido de dino-chicken - em bom português, "galinhossauro". "Não tenho dúvidas de que um dia cientistas conseguirão desenvolver animais que se pareçam com dinossauros e colocá-los em parques para exibição", afirma Horner, que serviu de inspiração para o personagem Alan Grant, em Jurassic Park.

Mas dentre os animais extintos há milhares de anos, é mesmo o lanudo paquiderme do norte quem tem mais chances de um dia voltar a pisotear a terra. Em abril de 2012, cientistas russos descobriram no gelo da Sibéria um filhote de mamute em excelente estado de conservação - o bicho, uma fêmea apelidada de Yuka, morreu com dois anos e meio de idade, há 39 mil anos. Yuka provavelmente morreu após ficar atolada em um pântano cuja lama mais tarde congelou. A parte superior de seu cadáver foi consumida por predadores, inclusive caçadores humanos. Mas a parte inferior do corpo ficou preservada no gelo, incluindo a tromba, partes da mandíbula e da cabeça, as patas e os tecidos da língua e da boca - o que faz de Yuka o exemplar de mamute mais bem preservado já encontrado.

Em maio de 2013, uma nova notícia sobre Yuka aumentou a expectativa. Um grupo de pesquisadores russos e sul-coreanos conseguiu extrair uma amostra de sangue dos tecidos da mamutezinha. O sangue ainda está sendo analisado, e ninguém sabe se serão encontradas amostras viáveis de DNA. Mas, se isso acontecer, o material genético poderá ser usado para criar um clone - e trazer os mamutes de volta à vida. O projeto é liderado pelo cientista coreano Hwang Woo-Suk, que em 2005 ficou conhecido por ter sido o primeiro a clonar um cachorro. Se conseguir extrair o DNA, ele pretende implantá-lo num óvulo de elefante (espécie escolhida por ser geneticamente similar ao mamute).

Nada garante que isso vá dar certo. Após milênios no gelo, é possível que o DNA esteja danificado. E mesmo que a tentativa seja bem-sucedida, será que existe lugar no mundo de hoje para um filhote de mamute - ou de tigre-dente-de-sabre, ou de dinossauro?

Quem precisa de mamutes?

A ideia da desextinção pode ser fantástica - mas, para alguns autores e pesquisadores, ela é uma bobagem. "A desextinção, na verdade, é uma reinvenção", opina Brian Swiket, jornalista especializado em evolução e autor do livro Written in Stone ("Escrito em Pedra"), no qual analisa o tema. Os cientistas não podem garantir que um mamute clonado vá se comportar como um mamute da Era do Gelo - até porque sequer existem métodos para fazer essa comparação. "Os mamutes, como os elefantes modernos, ensinavam hábitos aos seus filhotes e tinham formas de cultura em seus rebanhos. Mamutes clonados não teriam pais, nem rebanhos e, portanto, não se comportariam como verdadeiros mamutes", diz Swiket. Outro empecilho apontado pelos críticos da ressurreição das espécies: em muitos casos, os hábitats desses animais já desapareceram. "O mamute, por exemplo, vivia em ambientes muito frios e secos. Por causa das mudanças climáticas, hoje há poucos lugares com essas características", diz Swiket. "Sem seu hábitat original, as espécies desextintas poderiam simplesmente se extinguir outra vez", completa. É um ponto relevante. Seria cruel e inútil trazer de volta um bicho apenas para vê-lo morrer de novo. O contrário disso também poderia causar problemas. Uma espécie desextinta poderia acabar se adaptando bem demais à sua nova vida, dizimando as populações de outros animais e gerando desequilíbrios ecológicos. Mas nem todo mundo concorda com essa possibilidade. "Muitas espécies desaparecidas tinham importância vital em grandes ecossistemas", diz o geneticista George Church, da Universidade Harvard. Ele cita um exemplo: graças aos mamutes, as tundras no norte da Rússia foram um dia cobertas de grama. A terra, antes afofada pelas patas dos gigantes peludos e fertilizada por seu esterco, se tornou dura e árida após a extinção desses animais. "Se os mamutes fizeram isso milhares de anos atrás, podem fazer isso no futuro", acredita Church, que também aposta na possibilidade de reviver bichos como o dodo, o auroque e o tigre da tasmânia. Ao trazer de volta certos animais, estaríamos ressuscitando também um pouco do mundo onde viveram.

O ponto máximo da desextinção seria trazer de volta o neandertal - que foi nosso parente mais próximo (e que nós mesmos varremos da face da Terra). O genoma dos neandertais já foi sequenciado, em 2010. Teoricamente, seria possível tentar produzir um. Para alguns pesquisadores, o estudo da fisiologia dos neandertais ajudaria a descobrir tratamentos para doenças como a osteoporose - à qual eles eram imunes. "Também poderiam ser feitos pequenos transplantes de tecidos de neandertais para seres humanos, deixando-os mais resistentes a doenças", acredita Church. Mas há algumas barreiras morais que parecem intransponíveis. Que mulher aceitaria carregar um bebê neandertal no útero? Também há uma questão jurídica, já que legalmente só seria permitido clonar um ser humano com o consentimento do próprio. Neandertais pertencem ao gênero Homo, o mesmo dos humanos modernos. E é complicado obter o consentimento de alguém cuja espécie deixou de existir há mais de 30 mil anos.

Imagem: gettyimages.com
Mamute (Mammuthus primigenius)

Extinto há - 3 mil anos

Ressuscitador - Museu de Mamutes de Yakutsk (Rússia)


Como - Em 2013, os cientistas retiraram uma amostra de sangue do fóssil de Yuka, uma mamute fêmea morta há 39 mil anos. Agora, estão analisando esse sangue para tentar achar uma célula intacta, que contenha DNA completo e legível. Se for encontrada, será implantada num óvulo de elefante.

Bucardo (Capra pyrenaica pyrenaica)

Extinto em - 2000

Ressuscitador
 - Instituto Nacional de Pesquisa (Espanha)

Como 
- Os cientistas coletaram DNA de Celia, um dos últimos exemplares dessa espécie de cabra. Entre 2003 e 2006, ele foi implantado em 400 óvulos. Um dos embriões deu certo e gerou um bucardo. Mas ele morreu após dez minutos. O projeto foi retomado em novembro de 2013.

Sapo de reprodução gástrica (Rheobatracus silus)

Extinto em - 1987

Ressuscitador - Universidade de New South Wales

Como 
- Quando a espécie estava quase extinta, amostras de seu DNA foram congeladas. Os cientistas introduziram esse material em óvulos "vazios" (com DNA removido) de outras espécies. Nasceram centenas de embriões. Agora, a meta é dar o passo seguinte - e criar girinos.

Pombo viajante (Ectopistes migratorius)

Extinto em - 1913

Ressuscitador - Universidade Harvard
Como 
- Em 2011, os pesquisadores conseguiram extrair DNA de animais empalhados, e agora estão tentando implantar esse material nas células-tronco de pombos comuns. O animal resultante, se nascer, será um híbrido, com algumas características do pombo viajante, que serão transmitidas aos descendentes. Esses descendentes serão cruzados entre si, para ir purificando o código genético até chegar a um pombo genuinamente Ectopistes.

Fonte: http://super.abril.com.br/

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